Entretanto, não temos formação educacional, nem em escolas nem na maior parte das faculdades, sobre como apoiar alguém que nos confidencia uma das piores experiências que já viveu — o que é uma lacuna imensa, pois os primeiros acolhimentos podem mudar o curso de uma história.
Viralizou na internet, em 2017, o depoimento de Bel Saide, no qual ela conta que sofreu violências sexuais aos oito anos por um funcionário do prédio em que morava com a família, mas sempre questionou por que não se sentia traumatizada pelo fato.
Adulta, ela entendeu por que: “Contei o fato à terapeuta (…) e então brilhantemente ela matou a charada: eu não tinha traumas, eu não me sentia sequer culpada porque eu fui completamente acolhida imediatamente por todos à minha volta.”
E é justamente pela relevância que o acolhimento tem, com escuta ativa e sem julgamentos, é bastante preocupante não recebermos qualquer educação e treinamento para sabermos o que fazer e o que não fazer quando uma vítima nos procura.
Uma pessoa vitimada representa uma imagem de fragilidade e muitas vezes desperta nossa preocupação e, por algum motivo, nossa prioridade é tentar eliminar a preocupação que foi causada em nós por aquele estado emocional.
Acontece que, quando focamos o olhar em aliviar nossa dor, esquecemos que temos alguém na nossa frente que viveu a experiência que tanto está nos incomodando. O centro, portanto, é essa pessoa e não quem a escuta
Quase que com um desejo infantil, recorremos a falas que buscam minimizar o que aconteceu: “Não fique assim, vai ficar tudo bem”, “pelo menos não aconteceu nada mais grave” ou “você é forte, isso não vai te abalar”.
Em algum lugar, nutrimos a esperança de que essas falas vão, como num passe de mágica, desfazer a violência. Infelizmente, não vão.
Quando estamos diante de uma pessoa machucada, nos são exigidas competências e habilidades que não fomos incentivadas e incentivados a desenvolver, tais como a alteridade e a empatia. Muito se fala de empatia em tempos de caos, mas pouco se conhece verdadeiramente desse recurso.
Theresa Weiseman, uma enfermeira dos Estados Unidos, identificou quatro qualidades da empatia: tomada de perspectiva, isto é, a habilidade de reconhecer a perspectiva da outra pessoa como sua verdade; ausência de julgamento; reconhecer a emoção em outra pessoa; comunicar essas emoções
Sustentada no conhecimento de Theresa, a pesquisadora Brené Brown, também dos EUA, descreve a empatia como um exercício de vulnerabilidade, pois para se conectar com alguém que está em dor é necessário se conectar com algo em nós que conhece aquele sentimento de desamparo e tristeza que a outra pessoa está mostrando.
Precisamos, portanto, aceitar, que não há nada a ser falado que vá transformar o passado, a violência causada. Temos que aprender a honrar a confiança que nos foi concedida pela pessoa que nos procurou, porque falar sobre isso é provavelmente a conversa mais difícil que ela está tendo em sua vida.
É um privilégio sermos ouvido e colo de uma pessoa machucada, provavelmente uma das maiores expressões de confiança que vivemos
Brené Brown nos ensina que se as palavras não mudam histórias, a conexão muda. Estar ali pela pessoa, ouvi-la quantas vezes for necessário, sem gestos de impaciência ou julgamento, oferecer sua presença, cuidar de sua casa, ajudá-la, se ela quiser, a buscar informações sobre direitos e apoios especializado.
Ouça de verdade quais são as necessidades de quem pede sua presença e responda a essas necessidades e não ao que você julga ser o certo a fazer e, se puder, busque informações técnicas de como o trauma opera e se expressa no corpo e na fala de alguém para evitar que sua oferta de ajuda se perverta no reforço do trauma.